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Arte e Cultura
11/08/2006 - 07h51
Qual é o pior jabá?
Zé Rodrix
 

No Brasil, volta e meia os próceres da mpbdq (aquela tal MPB de Qualidade que toca na Nova e na MPBFM...) fazem mais uma carga contra o que se convencionou (ideologicamente) chamar de "jabá".

O que vem a ser isso? Explico: jabá vem de jabaculê, palavra inventada por Haroldo Barbosa, em uma noite muito criativa e logo aplicada ao que antes se chamava de "caitituagem", ou seja, a forma mais prática e rendosa de fazer com que uma música tocasse no rádio para fazer sucesso.

Na década de 50 esta prática, que nos Estados Unidos se chamava de "payola" (mistura de Pay com Victrola) fez o grande sucesso do rock’n’roll, entrando com força nas rádios das grandes cidades da seguinte maneira: o artista queria ser tocado na rádio, então participava de um dos grandes shows que o Alan Freed, o mais importante disk-jockey dos Estados Unidos, promovia nas grandes cidades. O establishment branco, anglo-saxão e protestante não via o rock com bons olhos, e daí a montar uma CPI (eram tempos de McCarthismo explícito) contra esses eventos foi um pulo: Alan Freed foi proibido de trabalhar, morrendo na miséria, enquanto os outros continuaram praticando a mesma jogada sob inúmeras formas, ainda hoje.

No Brasil houve a mesma coisa: por causa de uma denúncia de estupro de uma fã de programas de rock, vários praticantes do jabá rock’n’rollesco foram processados, e apenas um deles (Luis de Carvalho) foi proibido de trabalhar no rádio durante um ano. Quando voltou, encontrou todo mundo praticando o jabá com mais proficiência que ele, porque não era só com rock’n’roll: era com todo tipo de música gravada, mpb inclusive.

A prática se espalhou pelo sistema e as direções das rádios faziam vista grossa para esse ganho lateral de seus funcionários, até o dia em que, observando bem, perceberam que era muita grana que rolava, e então decidiram centralizar as operações, fazendo com que o jabá fosse feito não mais entre divulgadores e disc-jockeys, mas diretamente entre o departamento comercial da gravadora e o departamento comercial da rádio. Isso institucionalizou uma prática que antes vicejava nas sombras, porque permitiu o uso de nota-fiscal.

O pior é que a visão corriqueira sobre esse fenômeno serve com cortina de fumaça para os verdadeiros problemas da música feita no Brasil: basta alguém fazer uso dessa alternativa para, imediatamente, um desafeto vir a público garantir que o sucesso de seu inimigo só existe porque a execução foi paga, muitas vezes escondendo que a sua própria execução também é paga. A verdade é uma só: no mundo da música feita no Brasil paga-se tudo e o jabá é usado indiscriminadamente para garantir execução forte de tudo o que interessar à gravadora e ao artista.

Desde 1981 as gravadoras nacionais pararam de investir em novos produtos, experimentando com novos artistas: seguindo ordens de Neshui Erthegun, nesta época presidente da IFRP (International Federation of Record Producers, ou similar) passaram a ser, nas palavras do próprio, e eu sou testemunha ocular, "vendedores de pizza: não importa o recheio, temos é que vender pizza, muita pizza!"... Isto criou uma nova realidade: não se permitia mais a existência, no cast de qualquer gravadora, de um artista que não vendesse. No território cada dia mais brumoso da mpb a coisa foi feia: enquanto alguns não conseguiam realizar o que seus patrões pediam, se desesperando em público, alguns outros se renderam de pedra e cal ao que eles ordenavam, e passaram a praticar as mesmas técnicas de produzir música comercial que criticavam em seus desafetos não-mpbistas, fingindo estar fazendo arte. Esse fingimento gerou a partir dos anos 80 o atual estado de coisas, em que até os independentes mais radicais produzem CDs com "cara de mercado", porque sabem que é nos independentes que as gravadoras vão buscar os novos sucessos momentâneos de sua produção.

Os que não conseguiram nada, resolveram eleger um inimigo, e o escolhido foi o jabá, por um motivo: sendo atividade dividida entre gravadora e rádio, não ofende ninguém de forma absoluta, deixando espaço para, no futuro, poderem usar do mesmo artifício quando forem a bola da vez numa gravadora que os tenha contratado. Não conheço ninguém, nem eu mesmo, que tenha recusado jabá para ser primeiro lugar na parada de sucesso: não conheço ninguém que, uma vez lhe sendo oferecido o pagamento de jabá para ser o sucesso da temporada, tenha não só recusado a oferta, como também ido a público para denunciar a prática malsã das gravadoras e rádios, contra a qual se insurgia. Trataram todos de se locupletar com a prática malsã da melhor maneira possível, com a desculpa de "bem, me perdoem, mas agora eu preciso cuidar da minha carreira..."

O jabá é, portanto, prática de todos, não de apenas alguns, e não existe nenhum tipo de artista ou de música feita no Brasil que não se privilegie dele, inclusive independentes que pretendam alçar-se a um patamar mais "profissional"... Conheço vários artistas de renome que são capazes de assinar um manifesto contra o jabá, mesmo sabendo que neste exato momento a sua gravadora está distribuindo dinheiro entre as rádios da moda, para que seu CD chegue ao primeiro lugar. Vários se desculpam assim: "ah, mas a minha música tem qualidade, não é como a desses bregas / sertanojos / pagodeiros / axezistas e assemelhados que só tocam porque pagam...", sem perceber duas coisas: primeiro, que a qualidade de sua música só é verdadeira para ele e os que gostam dele, e segundo, que se ele não pagar, também não toca.

Os que querem se destacar como sendo melhores que os outros sempre gritam contra o jabá, como se ele fosse o verdadeiro inimigo: da mesma forma que gravadoras só lutam contra a pirataria que não são capazes de conter, artistas "de qualidade" se sentem na obrigação de lutar contra o jabá, "esta prática perniciosa que gera a crise na mísica brasileira..."

E é aí que se enganam: o jabá que gera crise na música, principalmente na MPB (que hoje engloba desde Beth Carvalho a Chitãozinho e Xororó) não é este jabá feito entre duas empresas de mesmo tipo, com objetivo definido e com dinheiro privado. O JABÁ QUE ATRAPALHA A MÚSICA FEITA NO BRASIL É O JABÁ OFICIAL!

O que seria este jabá oficial? Explico: quando um artista vai fazer um show para uma Secretaria de Cultura, um centro cultural, um SESC (entidade que funciona através da renúncia pública de imposto devido), uma Petrobras, um Ministério da Cultura, nada acontece se não for paga uma propina de 20% ao agente que seleciona / aprova / paga o projeto. Todo mundo sabe disso, todo mundo já viu isso, alguns só trabalham nestas esferas graças a isso, mas ninguém fala disso: os artistas que gritam contra o jabá privado continuam pagando propina a agentes oficiais para ganhar aquele cachezinho, e nem se preocupam com a lisura de sua atitude.

O mais terrível é o imenso contingente de artistas que não conseguem pegar as boas verbas, que sempre caem no bolso já-recheado dos mesmos de sempre, a quem estes artistas endeusam sem perceber que são eles mesmos que perpetuam os mesmos de sempre no patamar de onde já deviam ter saído faz tempo, e não saíram porque seus “ídolos” não desocupam a moita...

Hipocrisia é dose, principalmente quando a mídia, que de maneira geral sempre faz parte de um conglomerado de comunicação que inclui rádios e tvs que praticam jabá, apóiam todas as manifestações públicas de repúdio ao jabá que praticam, mas em nenhum momento deixam de praticá-lo, dando a melhor prova possível de lisura e honestidade de propósitos. Reconheço: a maioria dos artistas que passam por isso não entendeu ainda o que está fazendo, e em vez de acender uma vela a Deus e outra ao Diabo, acendem a primeira ao Diabo e sentam na outra... (rssss).

Como dizia Stanislaw Ponte Preta parodiando outro escritor mais antigo, "ou todos nos locupletamos, ou instaure-se uma moralidade rígida!" A extrema fluidez de caráter e atitudes dos artistas brasileiros está perfeitamente revelada nesta dicotomia quase esquizóide, porque nenhum deles percebe estar sendo exatamente aquilo que criticam em seus desafetos, perpetuando um estado de coisas que não precisa mais existir. Mas isso não vai mudar, sabem porque? Porquê a ninguém interessa mudar, já que todos, de uma maneira ou de outra, estão se locupletando com este estado de coisas mais do que impagável, buscando sinais exteriores de riqueza como forma de se sentirem poderosos e vencedores, dando a seus fãs sinais de status tão ridículos quanto discutíveis.

No caso, a frase de Stanislaw podia ser corrigida: "OU LUTAMOS CONTRA TODO TIPO DE JABÁ, OU NOS LOCUPLETAMOS TODOS..." E EM SILÊNCIO! Porquê o bla-bla-bla que passa por "consciência política" (sic!), lutando contra um tipo de jabá enquanto faz uso do outro (ou às vezes também até mesmo daquele que criticam) une ofensa a desonra, principalmente quando é repercutido numa mídia formada por escravos de seus diretores de redação, que só lhes permitem replicar em suas colunas os press-releases que as gravadoras enviaram, numa outra espécie de jabá, feita de entradas para shows com boca-livre, viagens para ver gravações ou até I-pods grátis. Já imaginaram se as direções dos jornais resolverem fazer o mesmo negócio que as diretorias das rádios fizeram, negociando direto com as gravadoras, via nota fiscal? Os mídia-men das redações, os chamados "jornalistas especializados", vão perder a boquinha, desdentada por anos e anos de maus hábitos e recomendações preconceituosas.

A única coisa que resolveria isto seria uma decisão firme e direcionada dos artistas para a Arte, antes de tudo, porque de Arte, artistas entendem (quando são artistas, lógico...). Com isso traçaríamos a linha divisória e separaríamos o cenário em dois campos, só ficando no campo da Arte quem efetivamente fosse competente nela. O resto poderia continuar a ganhar dinheiro, mas desta vez sem se fingir de bom moço...


Nota do Editor: Zé Rodrix é músico, escritor e publicitário. Faça parte do Movimento pela Despocotização do Brasil, leia a seção "Iscas Intelectuais" em www.lucianopires.com.br.

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