Num só dia vi alguns amigos se desentenderem pelas mais diversas razões e um só motivo: a política partidária. Todos agindo como se partido político fosse clube de futebol. Como se campanha política fosse igual lotar um ônibus de torcedores para uma partida futebol com quatro anos de duração. E igual a uma torcida organizada, obrigando você a vestir uma camisa para poder subir num ônibus. Não sou torcedor, não quero pertencer a times, não faço apostas com o futuro dos meus filhos, não negocio a minha cidadania. Quando cheguei em casa e me socorri com Vinicius de Moraes em "O exercício da crônica" escrito em setembro de 1953, mais precisamente neste trecho que sempre me alimenta: "Num momento em que o grande mal de grande parte do mundo é o entreguismo, a timidez e a franca covardia, o exercício da crônica reticente, da crônica vaga, da crônica temperamental, da crônica ególatra, da crônica à clef, da crônica de cartola - é um crime tão grande quanto o de se vender, em época de epidemia, um antibiótico adulterado. A restauração da crônica, no espírito da dignidade com que a praticavam os essayists ingleses do século XVIII, deveria constituir matéria de funda meditação por parte de seus cultores no Brasil". Sempre que leio este trecho me sinto meio cronista, não pelas qualidades que ele sugere, mas pelos defeitos que ele aponta e que me são inerentes como reles mortal. Defeitos que sempre me põem atento para nunca permitir que eles predominem quando escrevo. É um exercício traiçoeiro, em que o medo espreita felinamente pronto para aplicar o bote. Quando me ponho a escutar meus amigos, tenho o privilégio de ouvir verdadeiras crônicas desenvolvidas com raciocínio e sentimentos, donde posso concluir que de certa forma somos todos cronistas, ficando a diferença entre os que precisam da escrita para falar seus pensamentos e aqueles que ao falar, escrevem verdadeiras crônicas. Do mesmo jeito, ao ouvir, me ponho atento àqueles defeitos que de repente possam sobressair ou dominar as falas dos meus amigos. Em época de eleições municipais em uma comunidade do tamanho de Ubatuba, vivendo uma crise de valores fundamentais e o império da vilania imposto pelos poderes constituídos, temer pelo futuro é um sentimento constante a cada decisão e a cada ensejo. Todas as ameaças, todas as pressões sempre são feitas veladamente e passaram a permear os pensamentos e as falas dos meus amigos. Uma necessidade agora urgente de novas alianças, de conchavos, de novos acordos com aqueles que durante anos nos prejudicaram, a mim e aos meus amigos. Uma necessidade premente que se impõe e obriga o distanciamento de todos que um dia se uniram em torno de um ideal. Todos se olhando estranhamente como se o sonhar com Justiça e Cidadania fosse desvario momentâneo que não suporta o peso da própria realidade. Como se toda luta empreendida fosse agora, mercadoria de troca, a ser usada no momento certo para garantir a manutenção e a continuidade do status que tanto nos oprimiu. Somente a nossa união no livre pensar, no encaminhamento honesto de propostas e reivindicações aponta para um futuro realizável e duradouro. Somente nós, com a força da nossa união podemos mostrar que não somos nós que devemos nos aliar a candidatos, são eles que devem se alinhar e se comprometerem a construir a mesma Ubatuba que cada um de nós constrói no dia-a-dia.
Nota do Editor: Carlos Augusto Rizzo mora em Ubatuba desde 1980, sendo marceneiro e escritor. Como escritor, publicou "Vocabulário Tupi-guarani", "O Falar Caiçara" em parceria com João Barreto e "Checklist to Birdwatching". Montou uma pequena editora que vem publicando suas obras e as de outros autores.
|