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COLUNISTA
Carlos Rizzo
15/06/2004 - 06h37
Operários das palavras
 
 

Outro dia um amigo meu, perguntou para a minha esposa se alguém estava me ajudando a escrever. Justificou a sua pergunta dizendo que os meus textos estavam muito bem escritos. Minha esposa sentiu-se ofendida, eu me senti recompensado. Realmente escrevo com dificuldades, não tenho a fluência de um escritor e isso me obriga a um esforço sobre-humano na busca da melhor palavra para a melhor expressão. Coincidentemente na mesma semana outro amigo disse-me admirado com essa habilidade que ele também não imaginava em mim. Egolatria à parte, o que mais me alegra é poder escrever o que penso e ser entendido pelo que escrevo. Devo reconhecer que tenho ajuda de muitas pessoas quando escrevo. Tive e tenho a felicidade de conviver com pessoas que o tempo todo me corrigem no meu jeito de falar e de escrever. Um bate bola solto, cuja preocupação é exprimir corretamente o pensamento. Sinto orgulho em poder agradecer a Ruth Salles, ao Flávio Girão, Roberto Mamede, Amélia Olaio, Sidney Borges, Luiz Roberto Moura, Emílio Campi, Álvaro Gonçalves e a minha esposa Rejane. Pessoas que me corrigem numa virgula, numa frase, num tom errado. Todos procurando e praticando juntos o exercício da escrita correta, eficiente e responsável. Luiz Roberto Moura sempre me devolve trabalhos para correção do texto ou da intenção. Sidney Borges é britânico, dá umas voltas, e corrige sem perdão. Emílio Campi é direto, simplesmente manda corrigir. Rejane quando não gosta, sempre fala que tem certeza que eu posso melhorar. Nunca me senti censurado, ofendido ou perseguido, porque sei que sou e quero sempre ser um eterno aprendiz. O escrever bem é uma conseqüência, que com esforço e a ajuda dos amigos um dia chego lá. Afinal, segundo Jorge Borges, a perfeição é a exaustão.

Outros me auxiliam pelo inverso, uma jornalista aqui de Ubatuba proibiu, sem ler, a publicação de um texto meu por conta de um texto anterior que ela não havia gostado. Para evitar a pretensão de me sentir censurado, procurei saber se era pela qualidade do meu texto, descobri que o problema era pessoal. Impossível a gente discutir determinados gostos.

Tem aqueles que nos mostram a maneira que se deve evitar ao escrever. O estilo pendular entre o belicoso e o bilioso, entre o ódio e o rancor, os remanescentes da época da ditadura militar que ainda se consideram os donos da verdade, e que só aceitam amigos em ordem unida. Quando qualquer contrariedade é tida como traição, perseguição política, censura ou cerceamento da liberdade de expressão. Liberdade que muitos não sabem respeitar quando a verdade não é a deles. Aqueles que esquecem que antes de qualquer censura ou liberdade ideológica está o respeito ao leitor. Objetivo principal de quem escreve.

Palavras faladas, o vento leva e, junto vai muita besteira também. Escrever pereniza cada vírgula do seu pensamento, e isso exige respeito, responsabilidade e muita atenção. Muitos textos são de difícil leitura pela linguagem chula. Outras vezes, fica claro que a pessoa escreveu com o fígado e não com o cérebro. Outros escrevem com décimas intenções, desde uma vaguinha de vereador até a troco de um dinheirinho para se calar.

Escrever é muito diferente do simplesmente falar. Papagaio aprende a falar, só faz repetir o que aprendeu, mas é incapaz de escrever alguma coisa. Caneta para ele é poleiro.

Nossa democracia ainda é incipiente, mas tem facetas interessantes, temos a censura e alguns papagaios da informação a serviço do poder. Mas temos muitos operários em construção, como eu e meus amigos no eterno aprender e incondicional respeito ao leitor.

Luis Buñuel, que viveu boa parte da ditadura franquista, foi muito feliz ao dizer que não existe censura, o que existe é a nossa incapacidade de driblá-la.

Assim, sejamos capazes de festejar a liberdade de escrever.


Nota do Editor: Carlos Augusto Rizzo mora em Ubatuba desde 1980, sendo marceneiro e escritor. Como escritor, publicou "Vocabulário Tupi-guarani", "O Falar Caiçara" em parceria com João Barreto e "Checklist to Birdwatching". Montou uma pequena editora que vem publicando suas obras e as de outros autores.
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